terça-feira, 16 de novembro de 2010

"RAIN MAN"

Este filme prima por uma densa vertente psicológica, espelhando de uma forma brilhante a complexidade do funcionamento das estruturas do cérebro humano, dos processos cognitivos e a sua consequente relação e influência nos diversos comportamentos e acções.
Vislumbramos uma peculiar e enigmática história que une dois irmãos, pelas circunstâncias dramáticas operadas, através da morte repentina do pai e pelas posteriores questões de herança, que em vez de se concentrarem em Charlie, são materializadas em Raymond, o seu irmão mais velho, absolutamente desconhecido para Charlie e que se encontra numa instituição psiquiátrica.
Charlie (Tom Cruise) distingue-se, não apenas pelo seu físico, mas essencialmente, pela sua dimensão profissional, intelectual e um cariz egocêntrico e ambicioso. Em contraste, Raymond (Dustin Hoffman) não é um indivíduo com padrões normais, particularmente no plano cognitivo e social. Ele evidencia Síndrome de Savant, ou seja, é um autista sábio.
O director do Filme, Barry Levinson, ao imaginar e criar a figura de Raymond, inspirou-se no americano Kim Peek, o mais célebre Savant mundial, (Memorizou mais de 12.000 livros, descreve os números de rodovias, identifica todas as estações de TV e as redes telefónicas, identifica o dia da semana de uma determinada data em segundos, contrastando com a profunda limitação mental).
Por conseguinte, Raymond manifesta determinadas áreas extraordinariamente desenvolvidas, nomeadamente a zona da memória e do cálculo, emergindo capacidades surpreendentes que deslumbram pelo seu potencial e eficácia. Apesar destas habilidades, Raymond, é incapaz de aplicar todas essas aptidões e conhecimentos nos actos mais simples da vida quotidiana. Além disso, é de salientar o predomínio de fortes debilidades e deficiências cognitivas, sobressaindo dificuldades ao nível da comunicação, da linguagem e das relações sociais. (funções ligadas ao hemisfério esquerdo, que presumivelmente encontra-se danificado, em consequência de uma lesão).
Podemos também acrescentar e comprovar a necessidade de um funcionamento integrado e complementar dos dois hemisférios, para assegurar uma actividade comportamental harmoniosa, concepção esta que o que não se verifica neste caso.
Com efeito, Raymond é um indivíduo, cujo funcionamento cerebral é poderosamente complexo mas afastado das características normais. Praticamente ao longo de todo o filme, ele vive no seu Mundo exclusivo, regido por normas fixas e inflexíveis, evidenciando comportamentos repetitivos, que denunciam o seu carácter fechado e estereotipado em detrimento da mudança e da inovação.
Para ele, cada dia está traçado por determinadas normas específicas que têm obrigatoriamente de suceder. Isto ilustra-se com a rotina alimentar, que é invariável. Exemplificando: Na terça-feira, salienta-se o predomínio de crepes com melaço, e o melaço tinha de ser servido antes dos crepes. Na quarta, o prato por excelência, girava em torno de filetes. Entre outros elementos pertinentes, como a sua insistência em observar o Programa de Televisão: “Wapner” e o período do sono corresponder às 23:00 horas.
Caso estas situações não ocorressem, Raymond, protestava e zangava-se de imediato, tendo atitudes relativamente débeis, visíveis através dos seus gestos repetitivos ou determinados ataques. Por curiosidade, salienta-se que Raymond tinha até uma lista de ferimentos graves, anotando quando lhe causavam algum tipo de constrangimento ou dor. Isto evidencia também que ele não permitia que lhe tocassem ou até mesmo abraçassem, traduzindo-se o cenário em ataques violentos e gritos assustadores.
Contudo, esta realidade também está recheada de episódios marcantes, que atestam as brilhantes habilidades e uma memória admirável do Raymond. Num ímpeto, ele contava a infinitude de palitos que se derramavam no chão, ou, no caso de ler as páginas amarelas, era capaz, de identificar o número da pessoa que os serviu no café, por exemplo. Identificava os nomes de todas as músicas, mesmo observando a lista por pouco tempo, decorava livros, com referência, para um livro de Shakespeare, descodificava todas as cartas, sabia os acidentes aéreos e rodoviários sucedidos, todos com datas precisas, a sua admirável competência para recordar acontecimentos do passado, com datas exactas relacionadas com a morte da mãe, por exemplo, bem como revelava uma incrível habilidade numérica, adivinhando números e resolvendo contas de suprema complexidade, em décimos de segundos, sendo tão eficiente como uma máquina.
Este tipo específico de capacidades, próprias de um Autista Savant deslumbram, pois, afiguram-se inconcebíveis no complexo funcionamento cerebral e ao nível de inteligência nos seres humanos normais/comuns.
Todo este universo autista savant desenrola-se a partir da comovente viagem entre os dois irmãos, como se fosse uma metáfora da vida sobre o seu sentido e conhecimento implícito. Uma viagem marcada por desentendimentos e tensões: a recusa de Raymond em viajar de avião, pela associação dos acidentes que estabelecia na sua memória espantosa, revelando datas concretas dos desastres aéreos bem como a sua recusa de andar de carro, relacionado também com o perigo e medo. Os seus comportamentos repetitivos já enumerados eram profundamente irritantes para Charlie, sobressaindo uma total incompreensão, indiferença bem como uma frieza afectiva quase absoluta, relativamente à Raymond. Ao invés, este demonstra um distanciamento da realidade que o envolve, não expressando qualquer sentimento e emoção relativamente ao seu irmão, Charlie. Era esta a barreira que os separava inicialmente.
Porém, na minha óptica, é a partir do momento, em que os irmãos partilham memórias do passado, descobrindo Charlie, que a personagem misteriosa (Rayman) que cantava para ele, era o próprio Raymond, parece que sentimos uma ténue atmosfera de compaixão emanada por Charlie, o que evidencia também, que já compreende uma parte do mundo do seu irmão, bem como uma subtil afinidade peculiar que se estabelece, progressivamente entre ambos.
Alguns de episódios marcantes, são aqueles que se sucedem no Casino. Eles ganharam imenso dinheiro, através das habilidades do Raymond em adivinhar números. Seguidamente, gostei em particular de uma conversa que este teve, com a Iris porque demonstrou a grande dificuldade dos autistas se inserirem no meio social, de se relacionarem e manterem uma conversa coesa com outras pessoas, avultando expressões repetitivas dotadas de superficialidade. 
Outra circunstância singular que retrata a compaixão e uma certa intimidade entre os dois irmãos, sucede no momento, em que Charlie ensina Raymond a dançar. Apesar de o seu olhar ser realmente distante e de não manifestar emoção, parecendo vazio do ponto de vista sentimental, acontece que conseguiu executar os movimentos simples da dança. Contudo, reage negativamente ao abraço daí, não permitir o toque.
O seguinte episódio do Beijo entre Susan (namorada de Charlie) e Raymond, é um retrato da ausência emocional, da dificuldade de os autistas expressarem sentimentos e a consequente incapacidade para amar. Contudo, é de destacar o predomínio de uma subtil, mas reduzida evolução nesta vertente emocional.
O desfecho do filme termina com a ida de Raymond para o centro Psiquiátrico. Seria possível Raymond enquadrar-se como ser autónomo, numa comunidade social e cultural? Não obstante as suas capacidades sensacionais, as suas limitações cognitivas elementares são indubitavelmente decisivas para o rumo da sua vida.
É de sublinhar neste drama que não somente a mudança afigura-se problemática e complexa, como também a conexão e ligação afectiva estabelecida entre os dois irmãos.
Viktoriya Lizanets12ºC

5 comentários:

  1. É deveras uma brilhante reflexão. Que "prima" pela sua qualidade linguística, mas sobretudo pela sua organização e estrutura. Os meus sinceros parabéns, querida Viky!
    Da tua amiga Marta Valente Nº16 12ºC

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  2. Oh está muito interessante este trabalho, os meus parabêns :)

    Isabel Soares nº9 12ºc

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  3. Eu não suporto a discriminação.
    Não quero tirar o mérito merecido à Viktoriya Lizanets nem ao Henrique mas o professor nunca publica um texto por exemplo meu.

    Lembra-se que nas aulas falamos dos direitos humanos?
    onde eles estão...

    Ah ah ah

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  4. Um texto bastante organizado e com as ideias e conceitos bastante claros.

    Parabéns Vicky, :)


    Márcia Pereira n.º 13 12.ºC

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