quinta-feira, 28 de outubro de 2010

OLHAR À DIREITA!

A Srª S., uma mulher inteligente com cerca de sessenta anos, teve uma trombose que lhe afectou a zona posterior do hemisfério cerebral direito. A inteligência e o humor mantiveram-se perfeitamente preservados mas, às vezes, queixava-se que as enfermeiras se tinham esquecido de pôr o café ou a sobremesa no tabuleiro. Quando lhe diziam que o café ou a sobremesa estavam no lado esquerdo ela não parecia compreender e nem olhava para a esquerda. Se virava ligeiramente a cabeça de forma que a sobremesa lhe aparecesse no campo de visão dizia: “Agora está aqui, mas não estava.” Perdeu completamente a noção de “esquerda”, quer em relação ao mundo quer em relação ao seu próprio corpo. Às vezes queixava-se que lhe dão pouca comida porque só come o que está do lado direito do prato e nem lhe ocorre que o prato também tem um lado esquerdo. Às vezes maquilha o lado direito do rosto deixando o lado esquerdo sem nada.
É quase impossível tratar estes pacientes porque não lhes conseguimos chamar a atenção para o problema (“hemi-inatenção”), pois eles nem se apercebem que têm um problema. Do ponto de vista intelectual e dedutivo a Srª S. compreende o que lhe digo, e até acha engraçado, mas não consegue ter a noção imediata do que se passa. Depois de ter percebido qual era o seu problema inventou estratégias para lidar com a sua falta de percepção. Não pode olhar directamente nem virar o rosto para a esquerda, por isso, o que faz é virar-se para a direita, e continuar a virar-se até completar um círculo. Pediu, e conseguiu que lhe dessem, uma cadeira de rodas giratória. Agora, se não consegue encontrar alguma coisa que sabe que deveria estar naquele sítio, gira para a direita, fazendo um círculo até que aquilo que procura entra no seu campo de visão. Se não ficar totalmente satisfeita, se não consegue encontrar o café ou a sobremesa, se as doses lhe parecem pequenas, continua a girar para a direita, mantendo os olhos nessa direcção até que lhe apareça a metade que ainda não vira. Come-a, ou come metade do que encontrou, e fica com menos fome. Mas, se ainda tem fome, ou se ainda quiser comer mais, e se se tiver apercebido na altura que talvez só tenha visto metade da metade que faltava, dá uma terceira volta até ver o quarto que resta e volta a comer só metade. Normalmente pára por aqui (já comeu sete oitavos da dose) mas, se ainda tem fome, ou se está obcecada com a ideia de comer tudo, pode dar uma quarta volta e comer mais um dezasseis avos da dose (deixando, claro, os outros dezasseis avos, aquilo que está no lado mais à esquerda do prato). “É absurdo”, diz “sinto-me como um carrossel, nunca posso parar de girar. Pode parecer engraçado mas dadas as circunstâncias, o que é que eu posso fazer?”
Pareceu-nos que talvez fosse mais fácil girar o prato em vez da cadeira e ela concordou, e tentou fazê-lo (pelo menos tentou consegui-lo) mas é muito difícil para ela, não é uma coisa que lhe surja naturalmente, enquanto girar na cadeira surge, porque o seu olhar, a sua atenção, os seus impulsos e movimentos espontâneos são exclusiva e instintivamente para a direita.
O que a perturba particularmente é o facto de se ver ao espelho com metade do rosto maquilhado e a outra metade por maquilhar. “Olho para o espelho e pinto tudo o que vejo.” Pensamos se seria possível dar-lhe um “espelho” para ela ver o lado esquerdo do lado direito, como alguém que esteja à sua frente a vê. Tentámos um sistema de vídeo com uma câmara e um monitor à frente dela e os resultados foram espantosos mas estranhos. Ao usar o monitor como um “espelho” via o lado esquerdo do rosto no lado direito. É uma experiência confusa até para uma pessoa normal (como sabe qualquer pessoa que se tenha tentado barbear usando um monitor de vídeo), para ela é duplamente confuso porque não sente o lado esquerdo do rosto e do corpo que agora via. Desde que ela tivera a trombose, a noção de “esquerda” não existia para ela.
SACKS, Oliver, O Homem que Confundiu a Mulher com o Chapéu, 2006. Lisboa: Relógio D’Água, pp. 102-104

13 comentários:

  1. ohh... que pena... e eu a abrir isto a pensar que ia fazer um trrabalho interessante e estimulante para psicologia...
    tenho mesmo muita pena!!!

    ResponderEliminar
  2. bem, temos aqui um caso inédito, uma coisa inimaginável.. como é que é possível não sentir o lado esquerdo? é confuso, mas interessante.

    ResponderEliminar
  3. Acho que é um bom texto e dentro desta temática temos n problemas, alguns caricatos que poderiam ser estudados e expostos...

    Ficamos a espera de mais, tal como o homem que caiu da cama ou ate o homem que confundia a mulher com um chapéu...

    DanielFV nº12 12B

    ResponderEliminar
  4. Tem haver com a matéria que demos. É muito curiosa a situação... Gostei do texto!

    ResponderEliminar
  5. O Coelho se está com pena, pode sempre fazer uma análise da patologia do doente. Não quero que fiques desiludido.

    ResponderEliminar
  6. O texto é muito interessante , mas é 'estranho' não sentir o lado esquerdo .

    ResponderEliminar
  7. Apesar de ter pensado, em primeira análise,«Oh! Afinal temos trabalhinho...», acabei por não resistir à tentação de ler... mais um caso estranho!
    Mas, sem dúvida, o ser humano tenta sempre adaptar-se às situações, por mais insólitas que elas sejam!

    N.º 15 12.º A

    ResponderEliminar
  8. É um texto bastante interessante, que vai de encontro à matéria que estamos a estudar.
    Nota-se o impacto que uma trombose pode provocar no ser humano, quer no seu corpo, quer na sua vida.
    Tudo ficou estranhamente novo para a paciente, levando-a a duvidar de coisas que estavam diante dela, mas que não lhe eram "visiveis" por parte do lado esquerdo.
    As limitações a que ficou sujeita esta Sra. S., levaram-na a adequar novas técnicas para conseguir superar as etapas do dia a dia, como é o exemplo de rodar para o lado direito de forma a conseguir fazer leituras do que se passava em seu redor.
    Só mostra a capacidade do ser humano em adaptar-se às novas condições. Somos seres em que mesmo com limitações adquiridas somos capazes de fazer uso das capacidades que ainda nos restam, para superar essas mesmas limitações.

    Patricia Lino 12ºC

    ResponderEliminar
  9. prof.
    que venha lá isso.
    todo o que eu quero é trabalho.
    sabe como é
    sou obcecado por psicologia.

    ResponderEliminar
  10. No meu ponto de vista o que aconteceu a este Sr. foi um acidente vascular cerebral é uma doença caracterizada pelo início agudo de um deficit neurológico (diminuição da função) que persiste por pelo menos 24 horas, refletindo envolvimento focal do sistema nervoso central como resultado de um distúrbio na circulação cerebral que leva a uma redução do aporte de oxigênio às células cerebrais adjacentes ao local do dano com consequente morte dessas células; começa abruptamente, sendo o deficit neurológico máximo no seu início, e podendo progredir ao longo do tempo. O que fez com que o senhor não destingui-se as coisas.

    ResponderEliminar
  11. Achei bastante interessante o texto! Pois, ajuda-nos a perceber o quanto importante são as funções desempenhadas por ambos os hemisférios.
    Neste caso, a senhora não tinha a percepção das relações espaciais (do lado esquero).
    Joana Sousa,Nº18, 12ºB

    ResponderEliminar
  12. É um texto bastante interessante, e enquadra-se na matéria que estudamos anteriormente!
    É visível o impacto que a trombose teve neste ser humano, as limitações a que ficou exposta, e às novas técnicas a que se teve de adaptar para superar os problemas do quotidiano.
    Contudo, este texto comprova o inacabamento do ser humano, ou seja, a capacidade que ele tem de se adaptar a novas realidades.

    Márcia Pereira n.º13 12.ºC

    ResponderEliminar
  13. O nome disso é neuropsicologia, e não é um caso inédito nem de trombose. Aconteceu porque a parte posterior do hemisfério cerebral direito foi danificada após um acidente vascular encefálico.

    ResponderEliminar