quinta-feira, 10 de março de 2011

CRASH

   As transformações ocorridas na sociedade, ao longo dos últimos anos, demonstram que o mundo se tem tornado pequeno para as relações humanas. Actualmente, já «conhecemos» todos os cantos do planeta, sem sair da nossa própria casa, pois com o desenvolvimento das técnicas de informação e comunicação ir de uma ponta à outra do globo não é coisa impossível.
   O filme «Crash» também nos remete para os paradigmas da globalização, do multiculturalismo, assim como para as noções de identidade e direito e para alguns temas polémicos do nosso próprio quotidiano, nomeadamente o racismo, a xenofobia, o confronto entre várias culturas e religiões… A globalização, a aculturação intensifica o encontro entre diferentes culturas e faz emergir estes grandes problemas que continuam a afectar a nossa sociedade actual sendo, por vezes, motivo de grandes conflitos e/ou guerras.
Todo o enredo do filme se passa na cidade de Los Angeles onde são apresentadas várias personagens: uma dona de casa e seu marido, procurador de justiça; um lojista persa; um director de TV afro-americano e sua esposa; um serralheiro mexicano, dois ladrões de carros; um polícia novato e um casal coreano. Todas estas personagens se vão aproximando, havendo a intersecção de várias histórias, num prazo de trinta e seis horas. Todas elas são prejudicadas de alguma forma, ou pela sua etnia ou pelo seu nível social e acabam por viver situações que os fazem examinar o seu próprio ser e, principalmente, os seus preconceitos.
   Neste filme, tudo se une como um quebra-cabeças de diferentes destinos que se chocam ou tocam aparentemente por acaso. Logo no início, um casal branco, Rick e Jean, são assaltados por uma dupla de negros. Paralelamente, uma loja duma família persa é assaltada depois do dono se ter recusado a trocar uma porta com defeito, apesar das recomendações do hispânico Daniel. Por outro lado, há o director de TV, cuja mulher negra é humilhada por um polícia violento numa operação de revista de rua; este polícia tem como colega de serviço o jovem colega Hanson que condena a sua atitude mas comete o assassinato, motivado por preconceito racial, de um dos assaltantes negros…
   Sem dúvida que «Crash» está associado aos ódios sociais, à xenofobia, aos estereótipos, ao racismo que existe na sociedade americana e espelha todo o tipo de preconceitos aí existentes, os quais estão presentes na construção da nossa individualidade e nas acções que praticamos no nosso quotidiano e que apesar de os tentarmos disfarçar/esconder, há situações em que perdemos o controlo e eles acabam por se evidenciar. Daniel, por exemplo, sofre de preconceito várias vezes no decorrer do filme. Uma delas é quando realiza um trabalho em casa de Rick, após ter sido contratado para trocar as fechaduras depois da sua mulher ter ficado em choque com a traumática experiência do assalto. Esta começa a desconfiar de tudo e de todos e quando vê Daniel a executar o trabalho e vê as suas tatuagens, começa a imaginar que ele pertenceria a um gang de traficantes e poderia fazer para si cópia das chaves das novas fechaduras.
   «Crash» trabalha a complexidade do ser humano, revelando seus limites, suas contradições e diferentes atitudes. Pode-se verificar que personagens que já foram vítimas de descriminação, em virtude da cor e da nacionalidade, acabam por ter momentos em que elas próprias também descriminam os outros. Parece que habita em nós o herói e o criminoso, o vilão e a vítima. Dependendo das circunstâncias um destes “eus” toma a cena e actua. A dúvida que, por vezes, nos assalta é qual destes “eus” queremos fortalecer.
   Assim, podemos colocar a questão: «Até que ponto nos conhecemos a nós próprios?» Sim, porque este filme retrata, de forma crua e realista, até onde podemos chegar com a nossa intolerância, com o nosso preconceito, com o nosso racismo… Mostra que, mesmo sem nos apercebermos, temos sempre algum preconceito em nós e ele vem à tona nos momentos mais inusitados e mais inesperados, o que nos leva a reflectir e a perceber que realmente não nos conhecemos totalmente. E isso é assustador!
   «Crash» é uma esplendorosa dissertação acerca das tensões raciais e que nos conduz à reflexão sobre a altivez da maioria branca sobre as minorias, sejam elas da comunidade negra, sejam imigrantes, onde há um tráfego intenso de culturas que se chocam. Los Angeles é o espaço de desigualdade, de tensão social, de abuso de poder, de diferenças sociais, culturais, financeiras, raciais e sintetiza os dramas de personalidade, de consciência e a impessoalidade. Aqui é ofuscada a capacidade de reflectir, de sonhar, de acreditar na capacidade de mudança.
   Concluindo, penso que este filme apela à reflexão enquanto seres humanos, que nos tenta alertar para o facto de que qualquer decisão que possamos tomar poderá afectar outros e apresenta-nos uma resposta subtil para aquilo a que chamamos de coincidências. Faz-nos meditar sobre os nossos medos, os nossos preconceitos e atitudes que vamos adquirindo ao longo da nossa vida e que deveríamos ser capazes, acima de tudo e de qualquer preconceito, de exportar, importar e partilhar confiança, amizade e ternura. Temos que contribuir para um mundo melhor e não nos considerarmos vítimas reais e inocentes dos acidentes e «crashes» da nossa sociedade.
 
Joana Pereirinha 12º A

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