quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

The Gods Must Be Crazy

        Esta comédia excepcional reproduz uma intersecção problemática de culturas absolutamente distintas nos seus hábitos, comportamentos, práticas, crenças e valores. Parece que o filme desenha uma colisão cultural, registando-se simultaneamente a aprendizagem e absorção de novos costumes e elementos culturais.  
A cultura específica assume-me como rainha, pelo que é a sua influência, vasta e poderosa que guia e orienta as diversas condutas do ser humano, nas mais variadas situações, assim como, no modo, como cada um vislumbra e interpreta o mundo que o envolve, atribuindo-lhe significados peculiares mediante as suas convicções, perspectivas, esquemas cognitivos perfilhados pela realidade cultural.
O filme desenha um autêntico mundo de relatividade cultural, onde cada cultura marcada por modelos padronizados de comportamento e o seu sentido deve ser compreendida à luz de um determinado enquadramento geográfico e temporal.
        A imagem inicial do filme foca paisagens desérticas e serenas de Kalahari, em Botswana, no sul de África, onde surge uma tribo organizada em pequenos grupos familiares. Neste mundo constata-se o predomínio de uma profunda ligação e quase dependência dessa sociedade com os elementos da natureza que a rodeiam, principal fornecedora de alimento. A interacção com os seus elementos é fundada pela simplicidade e total partilha de todo o tipo de elementos que abundam na natureza, imperando a harmonia, a paz e o respeito. Vivem nesse meio tranquilo praticamente ignorantes, isolados não só de outras culturas existentes no deserto (Tswana) assim como não se interrogam de outros horizontes, de outras realidades culturais, diferentes da sua. As suas condutas não são orientadas por normas e regras pré-estabelecidas. Os elementos da tribo não têm percepção de leis, do conceito de igualdade, nem do tempo. A tradição e a ordem moral são retratadas pela esfera Divina…
     No sentido antagónico, emergem imagens sibilantes, dinâmicas e sofisticadas da civilização contemporânea. Um mundo de movimentação frenética, de abundância de todo o tipo de tecnologias sofisticadas, infra-estruturas rebuscadas e toda a colectânea de bens, que ao mesmo tempo que simplificam a nossa vida, tornam-na ainda mais confusa, complexa ou até desorganizada. É um mundo, que se distancia da pureza da natureza. Contrariamente, é recriado, transformado pela acção e interacção dinâmica do ser Humano, quer no domínio doméstico, quer na vertente artística ou profissional, em função dos seus desejos, perspectivas, ideias e necessidades. Predomina não só uma planificação de tudo o que se pretende realizar, dada a complexidade, como também, a necessidade de o indivíduo se adaptar a cada momento, a cada instante que seja, a novas e imprevistas situações, activando a sua criatividade, imaginação e espírito crítico para resolver um conjunto de situações problemáticas e obstáculos. Todas as condutas, em oposição às da tribo africana, são orientadas pela consciência extremamente lúcida do tempo. Além disso, como é óbvio, regemo-nos por determinadas leis, normas de cumprimento obrigatório…
     Focando novamente a tribo africana, no deserto de Kalahari, realça-se que a plácida e harmoniosa concepção de vida deste povo, descrita anteriormente, modifica-se radicalmente, no instante em que um avião surge nessas paisagens, e o tripulante arremessa para este local, de forma inadvertida e irresponsável, uma garrafa de vidro de Coca-Cola, ícone popular da civilização moderna. Esta é encontrada pelos elementos da tribo. Tal como tudo o que surgia do Céu, era indissociável dos tesouros e presentes dos deuses, a vazia garrafa de Coca-Cola, apesar de estranha, tornou-se num artefacto extraordinário e milagroso com uma multiplicidade de utilidades, aplicáveis a diferentes actividades no seio desta tribo. Contudo, estas vantagens originaram progressivamente terríveis sentimentos de posse, de raiva, ódio, frustração, inveja e mesmo violência. Este novo elemento cultural totalmente desconhecido modificara toda a ordem natural de vida desta tribo, tornando-se palco de rivalidade e de infelicidade. É decidido que a tal garrafa deve ser destruída e arremessada para o abismo do fim do Mundo.
 O Título: Os Deuses devem estar loucos, prende-se com esta concepção de surpresa, estranheza e indignação, que afecta e interfere com a normalidade estabelecida. Xi, caçador exímio da tribo, ficou encarregue desta missão de aniquilamento da garrafa, tendo em vista a paz e a felicidade de outrora, no seio da tribo, tão apegada às suas crenças e costumes.
     É nestas circunstâncias que enquanto Xi empreende esta missão, o filme desenha uma fantástica viagem, na qual ele contacta com indivíduos da civilização moderna, nunca vislumbrados anteriormente, o encontro com outras entidades e povos culturais, o contacto com objectos diferentes, navegando por um conjunto de situações nunca enfrentadas, interpretando tudo ao sabor das suas crenças, valores e conhecimentos rudimentares.
O filme torna-se original e cativante, pois confere-nos uma imagem bem cómica do mundo ocidental, sob a óptica de Xi. Não será fascinante, visualizar as nossas facetas, através da interpretação primitiva e genuína deste indivíduo, detentor de uma cultura plenamente distinta?
É curioso como no início da sua jornada, ele cruza-se com uma mulher loira, professora Kate Thompson, categoricamente diferente de si e da sua tribo. Xi, mediante as suas convicções e crenças, compara a sua claridade e brancura com a essência divina, entregando-lhe a garrafa, mas como esta recusa a mesma, ele anula essa ideia de divindade.
Num outro momento, quando Xi contacta com o veículo, símbolo da tecnologia e civilização moderna, sente-se extremamente fascinado, eufórico com aqueles maquinismos e movimentos, atribuindo também neste cenário significados divinos.
É interessante realçar que Xi, com a sua aparência distinta, vocabulário primitivo, à base de sons, as suas interpretações singelas e demasiadamente simplistas, mantém-se imperturbável, sereno e com uma fantástica disposição de humor ao longo da trama e do novelo de acontecimentos.
Decorrendo o percurso de Xi, este vislumbra uma série de animais e tenta matar um para o seu consumo, desconhecendo, porém, que este rebanho pertencia à outra cultura (os Tswana). Xi é consequentemente preso, julgado e condenado. Isto sucedeu, pois para a cultura dos Tswana, predomina um sentido de propriedade e posse, contrariamente ao outro povo, no qual predomina a livre partilha de tudo. Xi desconhecia este facto. Como violação da ordem estabelecida, as autoridades daquele povo, impõe as suas regras, pelo que Xi é preso. Este caçador, absolutamente ingénuo e simples não compreende a situação problemática, pois, na sua perspectiva, não realizou nada de amoral, agindo mediante os seus princípios e hábitos. Nem mesmo, o tradutor linguístico, respeitador das diferenças culturais, conseguiu veicular e transmitir cabalmente a mensagem do sucedido a Xi, dada a inexistência dos conceitos de posse, julgamento e prisão, assim como, a ausência da noção de tempo, na sua cultura. Como podia Xi, entender o que era cometer crime e ficar preso durante três meses, se não tem conhecimento destas realidades?
Esta situação denota explicitamente o relativismo cultural, as diferenças não só a nível de hábitos, convicções, até mesmo em conceitos que para nós ocidentais, afiguram-se como universais.
Com o intuito de Xi não ser condenado mediante leis e critérios para ele indecifráveis, o tradutor juntamente com Sr. Andrew, conseguiram que Xi cumprisse a pena de três meses, não numa cela de prisão, à qual não está definitivamente adaptado, mas sim, como especialista em matéria biológica, em virtude da sua profunda relação com a natureza. É neste momento, que Xi interioriza e filtra variados conhecimentos sobre a cultura ocidental e transmite elementos da sua, numa autêntica manifestação de aculturação.
O seu percurso finaliza-se, fundindo-se num cenário belo, quase inconcebível, no qual uma camada de nuvens envolve montanhas, embrenhando-as em tonalidades esverdeadas... a “Janela dos Deuses”, foi este o local, para onde Xi, mediante os seus valores e crenças, arremessou a tal garrafa, que interferira naquela tribo. Contudo, não se interpelou de que podem surgir outros objectos, que iriam influenciar negativamente a sua cultura. De qualquer modo, será que Xi iria aplicar e transmitir estes seus conhecimentos que interiorizou no processo da sua viagem, aos grupos da sua tribo? Será que alargou os seus horizontes limitados, de que predomina uma multiplicidade de culturas e de crenças?
Este filme demonstra como a aculturação, o contacto com elementos culturais novos e desconhecidos, afecta a nossa ordem e os nossos comportamentos, assim como as reacções que suscita, podendo ser positivas ou negativas, como sucedeu com o surgimento da mera garrafa de Coca-Cola.
O argumento do filme espelha também as dificuldades de aceitação de outras culturas, com tradições e valores distintos dos nossos. Não compreender o relativismo cultural, é como adormecer, perdendo todas as cores de um leque de crenças, hábitos e esquemas cognitivos variadíssimos. Para aceitar o que é distinto e compreender os outros, não podemos ter constantemente como ponto central a nossa realidade cultural, pois os indivíduos, não têm os mesmos ideais, desejos, sonhos, tradições, hábitos, valores e formas de interpretar e sentir o mundo… É importante escutar as diferenças, tolerar imperfeições, analisar limites, perspectivar horizontes, que promovem indubitavelmente, uma concepção do mundo mais justo, integrador e unido. 
 
VIKTORIYA LIZANETS 12ºC

Sem comentários:

Enviar um comentário